Até pouco tempo atrás, teologia e missão eram dois termos que não se combinavam. Nos últimos quarenta anos do século passado, porém, os encontros entre teologia e missão foram crescendo em número e em qualidade, até se construírem as “teologias da missão” e vários pensadores começarem a afirmar que a teologia é parte integrante da missão do povo de Deus. Nos últimos vinte anos do século XX, toma forma a reflexão sobre a missão da teologia, muito forte na teologia política européia, na teologia pública norte-americana, na teologia da libertação e na teologia evangelical latino-americanas. Nos primeiros anos deste novo século, tem-se a impressão que o noivado entre teologia e missão está em crise, parece que o amor diminuiu e do lado da missão as preocupações com eficácia e resultados têm sido cada vez mais dominantes – o mesmo valendo para a atuação pastoral e das lideranças eclesiásticas em geral.
Não é possível deixar de perceber nessa crise sinais do sucesso do pensamento político-econômico neoliberal e sua concretização nas formas de governo e da economia das nações. Valores como amor, solidariedade, honestidade, justiça social têm sido declarados como ilusórios, bem-intencionados mas ineficazes, românticos, fora da realidade. Em seu lugar, imperam os valores do lucro, da eficácia, da competitividade, da tecnologização, do consumismo. Não só as grandes estruturas políticas e econômicas funcionam assim, mas também as relações humanas no cotidiano sofrem essa transformação de valores. Se você é pastor, pastora, líder de igreja, sabe bem o que estou dizendo – já perdeu membros para igrejas mais "em dia", está lidando cada vez mais com problemas familiares na comunidade, não sabe bem o que fazer com a atividade sexual dos adolescentes e jovens da igreja, etc. Se você trabalha "secularmente", então, a lista dos sintomas poderia ser bem maior – desonestidade na competição pelo emprego, pelas promoções, pelos salários; propostas indecentes se tornando cada vez mais comuns, etc.
Quando enfrentamos uma crise de valores desta envergadura, a primeira reação é a da perplexidade – não sabemos o que fazer. Depois, tentamos enfrentar aberta e corajosamente os problemas – o que normalmente não funciona, e ficamos tachados de obscurantistas, conservadores, e mais. Por fim, "aderimos" – é claro que iremos encontrar uma boa justificativa teológica ou missiológica para a adesão, alguns até mesmo reconhecem simplesmente que é uma questão de sobrevivência. Bem, eu gostaria de apresentar uma alternativa. Diante da crise de valores e de comportamento, é hora de fazer teologia, é hora de redescobrir a missão da teologia.
Em primeiro lugar, é missão da teologia nos ajudar a crescer em discernimento espiritual (Colossenses 1.9-12; Romanos 12.1-2) – é a renovação da mente, o conhecimento pleno da vontade de Deus, que são instrumentos do Espírito para nos ajudar a reencontrar os valores ameaçados ou mesmo perdidos. É missão da teologia nos ajudar a pensar naquilo que é puro, justo, agradável a Deus (cf. Filipenses 4.8-9). Mas, dirá você, isto irá resolver os problemas? Na hora, não. A médio prazo, certamente ajudará a encontrarmos em nosso dia-a-dia as pegadas de Cristo para que as possamos seguir. Você se lembra que Jesus não fazia o jogo dos valores dominantes em seu tempo? Ele valorizou as crianças, as mulheres, as pessoas impuras, as empobrecidas, até mesmo disse que os "piores" pecadores iriam preceder os "melhores" líderes religiosos no Reino dos Céus. Lembra-se da referência?
Pensando em você que lidera ou pastoreia o povo de Deus, quero afirmar com toda convicção que o tempo que você investir para pensar e fazer teologia será um dos tempos mais bem gastos do seu ministério. Cá pra nós, só perde em qualidade para o tempo que você investe na oração e adoração a Deus. Mas, perguntará você novamente, isso vai me ajudar a ser mais eficaz. Com certeza! Você será mais eficaz do ponto de vista de Deus. Se você permitir que o Espírito renove a sua mente, o seu fazer teológico será instrumento de Deus para melhorar sua atuação ministerial. Você duvida? Faz bem, mas faz melhor aquele que crê contra as evidências!
Júlio Zabatiero é Doutor em Teologia e pastor auxiliar da Igreja Presbiteriana Independente da Coloninha. Além disso é professor da Escola Superior de Teologia de São Leopoldo (RS), presidente da Fraternidade Teológica Latino-Americana, setor Brasil, e professor visitante da Faculdade Teológica Sul Americana.
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